Garrafa de Saké

Nº de referência da peça: 
F1353

Nonko (attributed)
Sake bottle
Red raku ware, glazed stoneware
Japan, Kyoto, Edo Period, first-half of 17th century
Dim.: 17.0 x 20.0 cm
Provenance: Saiuchi Kyushiro, Japan
Exhibited: "Wind From Afar", The Museum of Kyoto, March and Tobacco & Salt Museum, 2000
F1353

Nonko (atr.)
Garrafa de saké
Cerâmica vermelha Raku, grés vidrado
Japão, Kyoto, período Edo, século XVII (primeira metade)
Dim.: 17,0 x 20,0 cm
Proveniência: Saiuchi Kyushiro, Japão
F1353

This sake bottle, or rather, this display bottle (kazarimono) not destined for practical use, is defined by its globular shaped body, resembling a pomegranate (zakuro), and by the two male figures, possibly drunken “Southern barbarians”, or nanban-jin, holding firmly onto it.
Hand moulded with expressive naturalism, it is made from iron-rich red stoneware (juraku) clay, coated in glossy, transparent lead glaze, and low-fired in an indoor kiln (uchigama). Similarly to other early-seventeenth century raku pieces, which were removed from the kiln while still glowing hot and allowed to cool in the open air, this bottle features glossy lead glazing and high-quality finishing. It was most probably designed for displaying in an alcove, its iconography ensuring its importance as a conversation piece.
Presented in a double box, the protective inner case in which it is stored features an inscription in its cover that reads: “Europeans holding onto the hot water [or liquid] bottle, this design made by Nonko. [signed:] Gengensai”. Gensensai Seichu Soshitsu (1810-1877) was the eleventh-generation master of the Urasenke tea school, who authenticated other works by Nonko. Another authentication note (hakogaki) inscribed to the base of the same protective case, informs: “Acquired this piece in the eleventh month, Meiji 29 [1896], representative, Rikimaru [probably the shop’s name]”. Another hakogaki, written on the inner case cover, informs: “Europeans holding onto a hot water [or liquid] bottle, an alcove display item”.
Gengensai’s most important caption however, states that the potter responsible for the making of this sake bottle was Nonko, name by which Raku Donyu, or Kichizaemon III (1599-1656), was known in his lifetime. Nonko was the third-generation raku master from the Raku family. Grandson of Chojiro, the founder of the Raku family and kiln, Nonko is considered the most innovative raku potter, having introduced new styles into these wares.
He is renowned for the use of white or transparent glazes over black glazes, and for applying thick layers of glossy glazes. According to an almost hagiographic official version, the production of the earliest raku wares is closely interlinked with tea drinking, and with the 16th century development of the wabi-cha tradition of the tea ceremony (chanoyu), by Sen no Rikyu (1522-1591). This Japanese tea master was involved in the building of Kyoto’s Jurakudai Palace (1586), under the command of Toyotomi Hideyoshi (1537-1598), the feudal warlord regarded as Japan’s second “Great Unifier”.
According to traditional tales, discredited by research and archaeological evidence, Rikyu, who served as the palace’s tea master, had the foreigner tile-maker Chojiro producing handcrafted tea bowls. These cutting-edge bowls, basic and rather rustic, became known as ima-yaki, or “contemporary wares”, or as juraku-yaki, from the local red clay (juraku) that was used in the making of earlier pieces. Still according to the tale, it was only afterwards, once Toyotomi Hideyoshi had presented Chojiro with a seal featuring the Chinese character for raku – or enjoyment – that such production was named raku-yaki, or raku ware. Raku would thus turn into the name of the family that produced this type of ceramics, but the word is now used as a generic term to refer to a ceramic technique popularized throughout the world. In fact, the earliest raku wares seem to have been produced by Chinese potters working in the Kyoto region, and it was only in the early-17th century, in the so called “Kyoto Renaissance”, that the Raku kiln, managed by Chojiro’s descendants, namely by Nonko, reached its dominance, under the patronage of Sen no Rikyu’s grandson and great-grandsons.

Once the globalization process became irreversible by the Portuguese 15th century exploration of the uncharted seas, and by the crossing of Africa’s southernmost tip that led them to India in 1498, new intercontinental trading routes would be open to the exchange of luxury goods, foodstuffs, plants, animals, technology, religion, and ideas. Japan would be of the last lands to be reached by the Portuguese, the earliest contacts dating from 1543 in Tanegashima, a small island to the south of the archipelago. This contact would have enormous consequences for Japan, pushing it into a new era, after centuries of semi-isolation.
In addition to Chinese raw silk, lacquers, and Chinese ceramics for exchanging with Japanese silver, the large Portuguese black ships (kurofane), the main motifs depicted on contemporary Namban screens produced for cosmopolitan local merchants and businessmen, also carried wine. It is thus unsurprising that the perceived Portuguese fondness for wine, and for the excesses it provoked, opposed to Japanese restraint and polite manners, would be caricaturized by the Japanese potter. The portrayal of “Southern barbarians” or nanban-jin, on contemporary objects was often stereotyped and caricatural, in a manner that was deeply rooted in ancient Japanese art. With their unusual attire of short baggy breeches, or kurusan, from the Portuguese “calção”, and bizarre practices, these foreigners were depicted with long “barbarian” noses.
Regardless of its origin, either from the Raku family or not, this rare sake bottle, conceived as a display object featuring Europeans, stands out as a powerful testimony to the vitality of the nanban-jin theme as a cosmopolitan subject in early-17th century Kyoto. As does also another object of identical chronology, a glazed stoneware candle stick fashioned as a European figure of Oribe type – introduced by the master potter Furuta Oribe (1543/44-1615), and most certainly produced in the Province of Mino -, now kept in the Suntory Museum of Art, in Tokyo. Unlike our bottle, other similar candlesticks from this production do survive, some handed down as heirlooms through the generations or exhumed by the archaeologists.

Hugo Miguel Crespo
Centre for History, University of Lisbon

--

Esta garrafa de saqué, ou melhor, este objecto destinado à apresentação (kazarimono) e não de uso, com seu corpo globular em forma de bolsa semelhante a uma romã (zakuro), representa duas figuras masculinas, possivelmente dois “Bárbaros do Sul” ou nanban-jin bêbados, segurando-se nela firmemente.
Modelado à mão e esculpido com naturalismo e expressividade, é feito de barro vermelho rico em ferro (juraku) revestido a vidrado de chumbo transparente e brilhante, tendo sido cozido a baixa temperatura em forno de interior (uchigama).
À semelhança de outras peças contemporâneas de raku dos inícios do século XVII, que envolviam a remoção das peças do forno enquanto ainda estavam quentes, permitindo-se que esfriassem ao ar livre, esta garrafa apresenta um vidrado de chumbo brilhante e um acabamento de alta qualidade.
Produzido para exibição privada numa alcova, a sua iconografia certamente a tornaria em tema de conversa.
A caixa interior onde se protege apresenta uma inscrição no interior da tampa em que se lê: “Europeus segurando garrafa de água quente [ou líquido], este modelo feito por Nonko. [assinado:] Gengensai”. Gensensai Seichu Soshitsu (1810-1877) foi o mestre da décima primeira geração da escola de chá Urasenke, tendo autenticado outras obras de Nonko.
Noutra nota de autenticidade (hakogaki), inscrita na base da caixa interior, lê-se: “Adquirida esta peça no décimo primeiro mês, Meiji 29 [i.é 1896], representante, Rikimaru [provavelmente o nome da loja]”.
Noutro hakogaki escrito na tampa da caixa interior lemos: “Europeus segurando uma garrafa de água quente [ou líquido], um item de exibição de alcova”.
A mais importante das inscrições, de Gengensai, afirma que o oleiro responsável pela garrafa de saqué é Nonko, nome pelo qual Raku Donyu ou Kichizaemon III (1599-1656) era conhecido em vida. Nonko foi a terceira geração de mestre Raku da família Raku. Neto de Chojiro, fundador da família e do forno Raku, Nonko é considerado o oleiro raku mais inovador, tendo introduzido novos estilos nas peças raku. Ficou conhecido pelo uso de vidrados brancos ou transparentes sobre vidrados negros e pela aplicação de vidrados brilhantes em camadas espessas.
Segundo a versão oficial, quase hagiográfica, a produção das primeiras peças raku está profundamente interligada com o consumo do chá e o desenvolvimento, no século XVI, da tradição wabi-cha da cerimónia do chá (chanoyu) por Sen no Rikyu ( 1522-1591), o mestre do chá japonês envolvido na construção do palácio Jurakudai (1586) em Kyoto por ordem de Toyotomi Hideyoshi (1537-1598), o senhor da guerra feudal considerado o segundo “Grande Unificador” do Japão.
De acordo com a lenda tradicional, hoje desacreditada por evidências arqueológicas e pesquisas recentes, Rikyu, que serviu como mestre de chá no palácio, fez com que o fabricante de azulejos Chojiro, um estrangeiro, produzisse taças de chá feitas à mão.
Essas peças vanguardistas, simples e rústicas ficaram conhecidas como ima-yaki ou “cerâmica contemporânea” ou como juraku-yaki, a partir da argila vermelha local (juraku) usada nas peças mais recuadas.
Ainda segundo a lenda, somente depois, com a oferta por Toyotomi Hideyoshi a Chojiro de um selo com o caractere chinês para raku ou “satisfação”, essa produção passou a ser conhecida como raku-yaki ou cerâmica Raku. Raku tornou-se assim o nome da família que produziu este tipo de cerâmica, mas a palavra é hoje usada hoje como um termo geral para descrever um tipo de técnica cerâmica muito popularizada em todo o mundo.
Na realidade, as primeiras peças raku parecem ter sido produzidas por ceramistas chineses que trabalhavam no entorno de Kyoto, e apenas nos inícios do século XVII, no chamado “Renascimento de Kyoto”, o forno Raku, operado pelos descendentes de Chojiro, incluindo Nonko, alcançou a sua supremacia, principalmente dado o patrocínio do neto e bisnetos de Sen no Rikyu.

Quando os portugueses começaram a explorar os mares desconhecidos no século XV, o processo de globalização em curso tornou-se irreversível, e quando marinheiros e exploradores contornaram o extremo sul da África, encontraram finalmente uma rota marítima para a Índia em 1498. Novas rotas comerciais intercontinentais foram assim abertas, promovendo a troca de bens de luxo, alimentos, plantas, animais, tecnologias, religião e ideias.
O Japão foi um dos últimos países alcançados pelos portugueses, tendo os seus primeiros contactos ocorrido em 1543 em Tanegashima, uma pequena ilha a sul. A chegada dos portugueses teve enormes consequências para o Japão, que o forçou a uma nova era após séculos de semi-isolamento.
Junto com seda crua, lacas e cerâmica chinesas para trocar por prata japonesa, os grandes navios negros do trato (kurofune) dos portugueses, o principal motivo dos coevos biombos Namban produzidos para mercadores e homens de negócio cosmopolitas locais, trouxeram o vinho.
Não é de estranhar, pois, que o gosto português pelo vinho e os excessos que este provocava, em contraste com a contenção e as boas maneiras japonesas, fosse caricaturalmente utilizado pelo oleiro japonês.
A representação dos “Bárbaros do Sul” ou nanban-jin, tal como se pode ver em objectos coevos, teve sempre algo de caricatura estereotipada, profundamente enraizada na arte japonesa antiga, já que vemos os portugueses e outros europeus, com seus estranhos trajes (as calças largas curtas ou kurusan , do português “calção”) e hábitos bizarros, sendo retratados com seus típicos narizes “bárbaros” compridos.
Independentemente da sua origem ou não na família de oleiros Raku, esta rara e importante garrafa de saqué, ou objecto para apresentação retratando europeus, é um poderoso testemunho da vitalidade do nanban-jin enquanto tema cosmopolita na Kyoto dos inícios do século XVII.
Assim como também o é um outro objecto da mesma cronologia, um castiçal de grés vidrado em forma de europeu produzido na província de Mino e do tipo Oribe - introduzido pelo mestre oleiro Furuta Oribe (1543/44-1615) -, no Suntory Museum of Art, Tóquio. Ao contrário da nossa garrafa, castiçais semelhantes sobrevivem dessa produção, alguns herdados de geração em geração, enquanto outros foram exumados pela arqueologia.

Hugo Miguel Crespo
Centro de História, Universidade de Lisboa

  • Arte Colonial e Oriental
  • Artes Decorativas
  • Diversos

Formulário de contacto - Peças

CAPTCHA
This question is for testing whether or not you are a human visitor and to prevent automated spam submissions.
Image CAPTCHA
Enter the characters shown in the image.