Bom Pastor, Índia, séc. XVII
Marfim entalhado
Alt.: 52.0 cm
F1150
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Extraordinária escultura do Menino Jesus Bom Pastor, quer pelo tamanho, quer pela qualidade escultórica, realçandose a minúcia da peça, uma verdadeira talha de ourives. Peça icónica da imaginária goesa ela revela uma iconografia emblemática da Arte da Expansão Portuguesa e uma representação singular da estatuária cristã. Na escultura desenvolve-se o episódio evangélico do Bom Pastor, “… eu sou Bom Pastor, conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem” (João, 10: 1-14). O Menino apresenta-se sentado no alto de uma montanha, ao longo da qual se espraiam ovelhas, que simbolizam as Almas de todo o Mundo, e onde se destacam a gruta do Natividade, São Joaquim e Santa Ana, Maria Madalena penitente, São Jerónimo, São Pedro, os Santos Evangelistas e a Fonte da Vida numa alusão óbvia à Palavra Divina. Como todos os Bons Pastores de origem indiana, o Menino está dormente. Do Budismo recolhe a atitude de êxtase, com expressão serena e introspetiva, olhos semicerrados, os dedos apoiados nas têmporas e a face inclinada sobre a mão direita. Menino Jesus Bom Pastor Marfim Indo-português, séc. XVII Alt.: 52,0 cm F1150 A tipologia do Menino Jesus Bom Pastor foi o modelo iconográfico de Jesus mais utilizado no universo cristão de origem asiática. Este modelo enquadra-se na dimensão teológica dos dogmas católicos emanados de Roma após o Concilio de Trento o qual, embora tivesse tido fraca adesão nos escultores europeus, foi profusamente trabalhado pelos hábeis artesãos indianos, que o souberam integrar na sua própria imaginária dando-lhe um cariz único que iria despertar uma enorme procura na comunidade cristã. Esta interessante simbiose, apoiada pelos nossos missionários portugueses para que os artesãos locais se sentissem mais envolvidos e compensados no seu engenho e dedicação, foi garantia para o sucesso destas representações e importante ajuda na conversão destes povos. A representação visual da figura de Cristo, assumiu, no Cristianismo primitivo fundamentalmente duas formas: Cristo Filósofo, figurado como Mestre ao lado dos Apóstolos e Cristo Bom Pastor com a missão de Salvador. A relevância da pastorícia, uma das principais fontes de riqueza e meio de sobrevivência na Antiguidade, foi responsável pela ligação da figura do Líder à de pastor: tal como o zagal guia as suas ovelhas em busca das melhores pastagens, também Jesus tem por missão proteger e assegurar o sustento de todos os seus fiéis. Este paralelismo vem referenciado em inúmeras parábolas Evangélicas do Novo Testamento: Eu sou o Bom Pastor… e Eu dou a vida pelas minhas ovelhas. Na representação dos Bons Pastores convém realçar a estreita ligação entre as 3 figuras Santas que, no Cristianismo, Hinduísmo e Budismo, se dedicaram a salvar a Humanidade. Nos dois primeiros casos, fazendo parte da Trindade Cristã (Pai, Filho e Espírito Santo) e do Trimurti Hindu (Brama, Vishnu e Xiva), ela desceu à Terra sob a forma de Cristo e Krishna, pastores que guardam o rebanho dos seus fiéis. No terceiro, o Bom Pastor herda de Buddha características como: caracóis contíguos, a forma de se sentar, posição do braço direito, cabeça inclinada, olhos semicerrados, sorriso hermético e concentração expectante. Quanto à representação da Fonte da Vida, tema iconográfico associado à representação de Jesus Cristo na pintura de Quinhentos e trazido para a Península Ibérica pelos pintores flamengos, ele foi posteriormente levado para a Índia portuguesa, onde passou a ser obrigatoriamente esculpido nos primeiros socalcos da base ou empório dos Meninos Jesus Bom Pastor. SÃO ROQUE ∫ ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE É de grande simbolismo esta posição meditativa com que Buda atingiu a iluminação ao fim de 49 dias, sentado à sombra de uma figueira. Tem os cabelos com caracóis em madeixa, destacando-se uma voluminosa madeixa frontal — a Urnã búdica, revelando a Inteligência de Buddha — nariz adunco e boca em bico, traços característicos da arte indo‑portuguesa do séc. XVII. Enverga túnica de pastor, em velo de animal, esculpida em ponta de diamante e contornada de galão perlado, cingida na cintura por cordão com nó de laçada. Transporta os seus atributos, cabaça e bornal ao tiracolo e usa sandálias de tiras, decoradas com pequenas pérolas. A perna direita fletida apoia o pé sobre uma caveira, símbolo da Crucificação, motivo muito comum na doutrina Jesuítica, como alegoria de uma visão antidota contra a vaidade do mundo. Acompanham-no duas ovelhas, uma sobre o ombro esquerdo e a outra no regaço, segura pela mão. O Menino está sentado no cume da montanha, que representa por um lado o monte Gólgota, local do Calvário e, paralelamente o Monte Neru, morada dos deuses hindús. A distribuição das figuras em socalcos sugere as torres (gopurani) dos templos com os seus degraus sucessivos. Está dividida em três socalcos, destacando-se uma pronunciada gruta que representa a Natividade: o Menino deitado nas palhinhas, rodeado por Nossa Senhora e S. José, ladeados por dois anjos ajoelhados e dois pastores em pé, com oferendas. No fundo da caverna a vaca e o burro e no teto, três anjos seguram uma filactera anunciando o presépio. Por debaixo da Natividade, surge a gruta com Maria Madalena ermita, arrependida e penitente, de cabelo solto e descoberto — símbolo do pecado. Está deitada sobre o lado direito, como se de uma apsara/deusa celestial indiana se tratasse, apoiando a cabeça na mão direita — posição iconográfica de Buda na sua Segunda Iluminação. A Santa está rodeada pelos seus atributos: Cruz de Cristo sobre a caveira — que remete para o momento da Crucificação e morte de SÃO ROQUE ∫ ANTIGUIDADES & GALERIA DE ARTE Rua de São Bento, 199B ∫ 1250–219 Lisboa ∫ T +351 213 960 734 geral@saoroquearte.pt ∫ antiguidadessaoroque.com Cristo — e o livro das Sagradas Escrituras, que devemos seguir durante a vida. Flanqueando o Presépio, duas grutas com cercadura de folhas de palmeira formam arco: na da esquerda, S. Jerónimo, em tronco nu e de joelhos, batendo com uma pedra no peito em sinal de penitência, reza em frente de um crucifixo. O leão dorme a seus pés e o chapéu de cardeal, alude ao seu papel posterior de Doutor da Igreja Latina; Na gruta da direita, S. Pedro, o maior dos Apóstolos, que se tornaria pedra angular da Igreja de Cristo, reza em sinal de arrependimento, ladeado pela coluna com o galo empoleirado, que lembra o facto de ter renegado Jesus Cristo três vezes. No socalco central o Menino Jesus enverga a mesma túnica de Bom Pastor, sob uma concha de palmas que lhe protege a cabeça como se de uma serpente naga se tratasse. Dois mascarões felinos por cima de Sua cabeça brotam água, desenhando um arco que cai em duas pias, dando de beber a algumas aves do Paraíso. O Menino segura em cada mão uma taça: a esquerda recebe a água que jorra do mascarão e a outra dá de beber a uma das Suas ovelhas. Ladeiam-no dois Santos Evangelistas com o livro e a pena: à direita, S. Marcos com o leão e no lado oposto, S. Lucas e o touro a seus pés. No plano superior, a Fonte da Vida (Fons Vitae), sobrepujada por um pequeno anjo alado, de cujas mãos jorra a água da Redenção e dá de beber às ovelhas e Aves do Paraíso. Está ladeada por Sant’ Ana acompanhada pelo Evangelista São João e sua águia à esquerda e, do lado oposto, São Joaquim e São Mateus com o seu anjo. No cume do monte alguns animais aos pés do Menino completam esta representação. A montanha assenta numa base delicadamente entalhada, com ovelhas distribuídas em sequência que se alimentam de uvas, símbolo do Sangue de Cristo eucarístico. Ao centro dois anjos afrontados colhem os cachos, em acção de graças e como referência à Santa Missa, ladeados por dois outros que tocam trombetas, anunciando o nascimento do Menino, que veio à Terra e se fez homem para salvar toda a Humanidade. O presente grupo escultórico do Menino Jesus Bom pastor destaca-se de outros que se conhecem, não só pela qualidade artística e delicadeza do entalhe, mas também pela sua dimensão. Este grupo escultórico é esculpido em três blocos, com uma altura total de 53 cm e um perímetro de cerca de 70 cm na base, o que nos permite adivinhar o tamanho da presa de marfim utilizada.
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