São Miguel matando o demónio , Perú, séc. XVII.
madeira policromada
102 x 50 x 40 cm
F1332
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Importante figura do Arcanjo São Miguel matando o demónio, possivelmente peruana do século XVII. Executada em madeira dotada de policromia, esta peça foi produzida utilizando os materiais nativos da zona geográfica em que se insere. Nesta escultura, a madeira utilizada para a sua concretização, foi mais provavelmente o mogno das Honduras (Swietenia macrophylla), nativo de países da América Central e do Sul, considerada uma madeira preciosa, e por isso de elevado valor. A madeira usada nesta escultura terá vindo de uma árvore pertencente à floresta tropical de Tahuamanú, a mais antiga do Perú, e que também faz parte da floresta amazónica.
Nos finais do século XVI, o Papa Gregório XIII (1502-1585), declarou que apenas os arcanjos referidos na Bíblia (Gabriel, Rafael e Miguel) eram dignos de serem representados, e que todas as outras representações de anjos e arcanjos, que não estes, seriam consideradas como heréticas.
Contudo, nos territórios coloniais do Império Espanhol, a produção de imagens de santos apócrifos, tais como Uriel, Salatiel ou Baraquiel, continuou a ser incentivada, sobretudo pela Companhia de Jesus, que exercia uma grande influência nessas terras[1]. Vistos como símbolos de proteção e da luta do bem contra o mal, o culto dos anjos e arcanjos teve, e continua a ter, uma grande popularidade na América Espanhola, pelo que este banimento por parte do Papa não surtiu grande efeito nos sentimentos das populações, sobretudo nas indígenas.
O arcanjo S. Miguel era especialmente favorecido, pelo facto de ser visto como um anjo claramente militar (comandante das hostes divinas), e consequentemente defensor da “verdadeira” fé, que baniu do céu os anjos rebeldes liderados por Lúcifer[2]. Nesta escultura, S. Miguel apresenta-se vestido à romano, como se pode observar pelas sandálias e pela armadura de estilo clássico, que no seu manto, de cor vermelha, apresenta, a dourado, vestígios de um padrão vegetalista claramente inspirado no maneirismo. Esse mesmo padrão vegetalista está presente, também, na base que suporta a figura. As asas do santo, apesar de posteriores, pela sua forma e pigmentação (amarelo, vermelho e azul), podem ser associadas a uma ave que é nativa da américa do sul, a araracanga (Ara macao).
Pela posição da mão direita, estaria a empunhar uma espada, enquanto na sua mão esquerda segurava possivelmente a famosa corrente com que prende o demónio, ou possivelmente a balança, um dos seus atributos iconográficos. Na sua cabeça observa-se um capacete militar designado de morrião, originário do antigo reino de Castela, e muito usado durante a época dos Conquistadores, na exploração do continente americano (entre os séculos XVI e XVII).
Inspirados, como deveriam ter sido, pelas inúmeras gravuras ilustrativas de santos da igreja cristã, como por exemplo as de Hieronymus Wierix (1553–1619)[3], os artesãos que se dedicaram a representações escultóricas e pictóricas deste santo apresentam várias semelhanças entre si. Deste modo acrescenta-se um fator de grande originalidade e raridade a esta obra, visto que o demónio aos pés do arcanjo apresenta grandes semelhanças com o deus Inca da morte e líder dos espíritos malignos, Supay[4].
Dito isto, esta representação de São Miguel é um símbolo vivo da doutrinação levada a cabo pela companhia de Jesus e outras ordens religiosas de missionários nestes territórios. Tendo como principal objetivo a conversão dos povos indígenas, estas instituições procuraram sobretudo comunicar através das imagens e, utilizando metáforas que as novas populações evangelizadas compreendessem. Assim, este São Miguel Arcanjo é uma metáfora referente à vitória do Cristianismo sobre o Paganismo, e à sua aparente superioridade.
Bernardo Morais dos Santos
[1] Cf. Marjorie TRUSTED, The Arts of Spain Iberia and Latin America 1450-1700, V&A publications, 2007, p.180.
[2] Idem, p. 183.
[3] Gravador flamengo famoso por imitar as gravuras de Albrecht Dürer, as quais circularam em grande número pela américa espanhola e portuguesa.
[4] Na mitologia inca, quéchua e aymara, Supay é associado com a morte e como sendo governante do Ukhu Pacha, um autêntico hades andino, cuja localização seria na atual Bolívia. O seu principal objetivo seria prejudicar a raça humana e ainda hoje estas comunidades usam o termo Supay para designar o diabo.
Nos finais do século XVI, o Papa Gregório XIII (1502-1585), declarou que apenas os arcanjos referidos na Bíblia (Gabriel, Rafael e Miguel) eram dignos de serem representados, e que todas as outras representações de anjos e arcanjos, que não estes, seriam consideradas como heréticas.
Contudo, nos territórios coloniais do Império Espanhol, a produção de imagens de santos apócrifos, tais como Uriel, Salatiel ou Baraquiel, continuou a ser incentivada, sobretudo pela Companhia de Jesus, que exercia uma grande influência nessas terras[1]. Vistos como símbolos de proteção e da luta do bem contra o mal, o culto dos anjos e arcanjos teve, e continua a ter, uma grande popularidade na América Espanhola, pelo que este banimento por parte do Papa não surtiu grande efeito nos sentimentos das populações, sobretudo nas indígenas.
O arcanjo S. Miguel era especialmente favorecido, pelo facto de ser visto como um anjo claramente militar (comandante das hostes divinas), e consequentemente defensor da “verdadeira” fé, que baniu do céu os anjos rebeldes liderados por Lúcifer[2]. Nesta escultura, S. Miguel apresenta-se vestido à romano, como se pode observar pelas sandálias e pela armadura de estilo clássico, que no seu manto, de cor vermelha, apresenta, a dourado, vestígios de um padrão vegetalista claramente inspirado no maneirismo. Esse mesmo padrão vegetalista está presente, também, na base que suporta a figura. As asas do santo, apesar de posteriores, pela sua forma e pigmentação (amarelo, vermelho e azul), podem ser associadas a uma ave que é nativa da américa do sul, a araracanga (Ara macao).
Pela posição da mão direita, estaria a empunhar uma espada, enquanto na sua mão esquerda segurava possivelmente a famosa corrente com que prende o demónio, ou possivelmente a balança, um dos seus atributos iconográficos. Na sua cabeça observa-se um capacete militar designado de morrião, originário do antigo reino de Castela, e muito usado durante a época dos Conquistadores, na exploração do continente americano (entre os séculos XVI e XVII).
Inspirados, como deveriam ter sido, pelas inúmeras gravuras ilustrativas de santos da igreja cristã, como por exemplo as de Hieronymus Wierix (1553–1619)[3], os artesãos que se dedicaram a representações escultóricas e pictóricas deste santo apresentam várias semelhanças entre si. Deste modo acrescenta-se um fator de grande originalidade e raridade a esta obra, visto que o demónio aos pés do arcanjo apresenta grandes semelhanças com o deus Inca da morte e líder dos espíritos malignos, Supay[4].
Dito isto, esta representação de São Miguel é um símbolo vivo da doutrinação levada a cabo pela companhia de Jesus e outras ordens religiosas de missionários nestes territórios. Tendo como principal objetivo a conversão dos povos indígenas, estas instituições procuraram sobretudo comunicar através das imagens e, utilizando metáforas que as novas populações evangelizadas compreendessem. Assim, este São Miguel Arcanjo é uma metáfora referente à vitória do Cristianismo sobre o Paganismo, e à sua aparente superioridade.
Bernardo Morais dos Santos
[1] Cf. Marjorie TRUSTED, The Arts of Spain Iberia and Latin America 1450-1700, V&A publications, 2007, p.180.
[2] Idem, p. 183.
[3] Gravador flamengo famoso por imitar as gravuras de Albrecht Dürer, as quais circularam em grande número pela américa espanhola e portuguesa.
[4] Na mitologia inca, quéchua e aymara, Supay é associado com a morte e como sendo governante do Ukhu Pacha, um autêntico hades andino, cuja localização seria na atual Bolívia. O seu principal objetivo seria prejudicar a raça humana e ainda hoje estas comunidades usam o termo Supay para designar o diabo.
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