Arcanjo São Miguel Indo-português , Índia, Goa, séc XVII
marfim policromado
31 x 21,5 cm
F1139
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Raro e importante conjunto escultórico, produzido em Goa no século XVII, finamente entalhado em marfim e com vestígios de policromia, representando Arcanjo São Miguel matando o Dragão, iconografia de grande raridade na produção ebúrnea indo-portuguesa de carácter devocional e de que não conhecemos outro exemplar. Na língua hebraica, o nome Miguel significa “aquele que é semelhante a Deus”, tradicionalmente interpretado na literatura católica como a questão “Quem como Deus?” (do latim, Qui ut Deus?), pergunta retórica que se revela como negativa, dado que ninguém é como Deus, sendo Miguel interpretado como símbolo de humildade perante Deus e, assim, intermediário por excelência entre o reino dos homens e o divino. A iconografia que aqui nos ocupa refere-se ao livro bíblico do Apocalipse (12:7-9), no qual o arcanjo Miguel, surge como general dos exércitos de Deus contra as forças de Satanás e seus anjos, derrotando-o nessa guerra celestial. É essa vitória contra as forças do mal e, em particular, contra a figura de Satanás (dragão) que encontramos representada neste conjunto escultórico em marfim, explicando a sua premência iconográfica no trabalho missionário levado a cabo na Ásia Portuguesa durante o período dos Descobrimentos que, também eles, lutavam diariamente contra as forças do mal locais, o paganismo.Grupo de excepcionais dimensões, muito provavelmente produzido para um oratório privado de algum nobre estante na Ásia ou rico mercador, neste Arcanjo São Miguel matando o Dragão o vemos a figura do arcanjo em pé (sem as suas asas originais, assembladas na parte posterior), calcando com os pés o ventre do dragão, enquanto lhe acomete com uma lança que lhe trespassa a garganta com a mão direita, segurando um bastão na mão esquerda. O arcanjo Miguel, trajando um misto de vestuário cortesão da época, embora de aspecto militar - com couraça (peito e espaldar), escarcelas articuladas e arneses de braços, realçados pela decoração polícroma avivada a ouro, - com sugestões do vestuário militar da Roma Antiga, como seja o cingulum militare com suas baltea ou bandas pendentes e protecções de perna, igualmente avivadas a pigmento e ouro sobre a superfície entalhada do marfim. O arcanjo, embora vestindo, tal como entalhado no marfim, uma roupeta sobre o gibão coberta por uma capa cingida por firmal redondo ao peito, enverga na cabeça um morrião ou bacinete, um elmo sem viseira muito utilizado pelos militares portugueses estantes na Índia.Não sabemos quais possam ter sido as fontes visuais exactas utilizadas pelos entalhadores para a produção deste conjunto, embora seja claro que algum tipo de modelo, provavelmente gravado, tenha sido facultado pelo encomendador. Semelhante iconografia, que poderá mesmo ter servido de modelo, encontramos numa gravura da autoria de Hieronymus Wierix, cuja obra, em parceria com o seu irmão, mormente a devocional e seguindo os cânones tridentinos, foi muito difundida na Ásia Portuguesa pela mão dos missionários jesuítas. Datável dos primeiros anos do século XVII e com o título Quis sicut Deus?, a gravura representa São Miguel, de asas abertas e elmo com penacho, triunfando sobre o dragão, calcando-lhe o ventre com os pés e arremetendo-lhe uma lança pela boca, da qual existe exemplar no British Museum, Londres, inv. no. 1859,0709.3148.Curiosamente, o nosso dragão de marfim apresenta-se não na forma de réptil que de alguma forma esperaríamos - sem assas nem garras, mas com fisionomia, mãos e pés humanos -, mas como uma figura antropomórfica nua, destacando-se apenas a cabeça e a cauda serpenteante. A cabeça aberta, deixando ver a poderosa dentição do dragão, e os chifres enrolados como de caprino, traem a natureza demoníaca da representação e a sua provável dependência face a um modelo autóctone, portanto indiano. Na verdade, esta figuração remete para os divs ou dēws (do persa dīv), demónios da literatura persa de grandes dentes, lábios negros, olhos azuis, garras nas mãos e corpos agigantados cobertos de pelagem, usualmente confundidos com os ghūl ou ogres, e que surgem associados não apenas à ideia de demónio, como também à de ogre, gigante, ou mesmo de Satanás, o que pode explicar a nossa figuração em marfim. Demónios em tudo semelhantes ao nosso, surgem representados em exemplares contemporâneos do Rāmāyaṇa - antigo poema épico indiano que conta a história de Rama, cuja esposa fora raptada pelo rei dos demónios, Ravana - produzidos no período mogol com grande influência iraniana tanto na composição como na representação dos demónios.À figuração autóctone, de raiz claramente hindu, refira-se também a finura do tratamento dos cabelos, que remetem para a produção de escultura devocional entalhada em marfim produzida no Ceilão e que terá constituído a génese da posterior produção goesa, iniciada com maior expressão a partir de meados do século XVII. Com efeito, partindo de uma tradição escultórica em marfim desde logo aproveitada pelos Portugueses, fossem missionários desejosos de encomendar imagens de que tanto necessitavam para a doutrinação dos recém-convertidos, como oficiais da corte, cedo a produção de imaginária católica no Ceilão ganhou enorme fama e prestígio, tendo sido o ponto de partida e irradiação de uma indústria que a partir da perda da ilha para os recém-chegados holandeses em 1658, transitou muito provavelmente para Goa, explicando assim as reminiscências cingalesas desta nossa rara, e muito importante representação goesa de Arcanjo São Miguel matando o Dragão. De centros produtores próximos, nomeadamente das Filipinas, conhecem-se diversos exemplares desta iconografia, alguns de grandes dimensões, produzidos em Manila.
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