Contador de duas portas

Nº de referência da peça: 
F1349

Two-door cabinet
Teak, ebony, ivory, sadeli marquetry and iron; gilt copper hardware
India, Gujarat, ca. 1580-1620
Dim.: 52.5 x 39.0 x 31.0 cm
Prov.: José Ferreira, Oporto
F1349

Contador de duas portas
Teca, ébano, marfim, sadeli, e ferro; ferragens de cobre dourado
Índia, Guzarate, c. 1580-1620
Dim.: 52,5 x 39,0 x 31,0 cm
F1349

Despite its unusual, probably locally derived, gabled top, this cabinet follows a European prototype, its various drawers destined for storing precious objects such as jewellery, money, and documents. Essential typologies in European aristocratic interiors, portable writing chests and tabletop cabinets of this type, became essential paraphernalia for European officials and merchants settling or travelling through Asia.
Possibly missing an original matching stand, this cabinet was made in ebony (Diospyrus ebenum) veneered teak (Tectona grandis), with inlaid ivory and sadeli marquetry decoration. Its gilt copper ornamental hardware elements comprise of two robust side handles, scalloped and pierced corner pieces, hinges, lock escutcheons and inner drawer pulls. Excepting the plain back elevation, characterized by its plain teak boards, all the cabinet’s inner and outer surfaces are laid out in a carpet-like decorative composition that is particularly exuberant on the outer door panels, lateral elevations, and gabled surfaces. These are defined by frames of broad foliage scrolls and eight-petaled rosettes, embracing densely patterned central fields of hunting scenes with figures in local costume, elephants, and horsemen with falcons.
Additionally, the four outer drawers that fill the gabled front, are characterized by symmetrically arranged pairs of figures highlighted by incisions and dyed mastics and set on a ground densely populated by foliage branches, flowers, and birds. Both the male and female figures sport local attire, the former dressed in jama (coat), pay-jama (light and loose trousers), patka (waist band) and small kulahdar turbans, and the latter in ghaghra (long pleated skirt), odhani (long diaphanous veil), and choli (bodice).
Once open, the cabinet reveals five drawers, simulating six fronts, for symmetry, arranged over three tiers. Each front is decorated in identical geometric sadeli marquetry eight-pointed star motifs flanking the drawer pulls. On the doors inner panels, large six-pointed sadeli stars within medallions and floral field, framed by a band of foliage scrolls with sadeli decorative details.

Sadeli marquetry, or micro-mosaic, known in Persian as khatam, was firstly introduced in the Indian Province of Sindh. Originating in the Eastern Mediterranean, particularly in Mamluk Egypt and Syria, during the Middle Ages, this decorative technique expanded into Iran and India. In Safavid Iran, the art of khatam, known as khatam-kari and khatam-bandi, flourished in Isfahan, Shiraz, and Kerman. Becoming widely practiced in India, where it became known as sadeli, it was initially introduced in Surat from Sindh, perhaps via Shiraz. The Sadeli technique consists in joining various fine geometric sticks, mostly of triangular section and of various materials, such as pewter or silver, wood, such as ebony, teak or sandalwood, etc., natural, or dyed ivory or bone, horn, copper or brass, in bundles which are then transversally sliced in thin sections of repeating geometric patterns, often star-shaped, that are then applied onto a wooden substrate. The surface is then finished by smoothing, and oiled or waxed before polishing.
Notwithstanding the prolific use of sadeli in its decoration, namely on the inner doors surfaces and inner drawer fronts, and its thick ebony veneering of ivory inlaid motifs, typical of the furniture production from Thatta, in the Province of Sindh in actual Pakistan, this superb Indian cabinet was made in Gujarat. The figurative motifs on its outer surfaces are unequivocally characteristic of the Gujarati furniture produced for the European market, namely of those pieces commissioned by the Portuguese, during the 16th and the early-17th centuries.
Of similar decoration of exuberant sadeli marquetry motifs to the inner door panels and inner drawer fronts, it is essential to refer a two door cabinet on stand, albeit with later additions and alterations to the feet, that belongs to the Victoria and Albert Museum, in London (inv. IM.16&A-1931). Featuring a gabled top, albeit trapezoid rather than triangular as our example, the London cabinet is equally decorated in a profuse composition arranged on a horror vacui ground with flowering trees of minute foliage elements. Similarly to cabinets originating from other Indian production centres, ours features a triangular shaped top section, in a type that, given its shape, has been referred to as “chapel-cabinet” – contador de capela – by some Portuguese scholars, an erroneous misnomer that should be avoided. In contemporary written records, such cabinets were simply recorded as pyramidal. In the post-mortem inventory of Garcia de Melo, compiled in Lisbon on November 11th, 1631, there is a reference for one such cabinet, probably made in Goa or Kochi, and described as “hũ contador de amgelim de piramide marchetado de marfim e pao preto” (one anjili [wood] made pyramidal cabinet veneered in ivory and ebony), which was valued at 10.000 reals, an immense sum in those days.

Hugo Miguel Crespo
Centre for History, University of Lisbon

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Apesar de seu remate acuminado, provavelmente de âmbito local, este nosso contador de duas portas segue um modelo europeu. As muitas gavetas seriam usadas para guardar objectos de valor como jóias, dinheiro e documentos.
Predominantes no mobiliário interior das famílias nobres e patrícias europeias, escritórios portáteis e contadores de mesa deste tipo tornar-se-iam requisito fundamental para os funcionários, mercadores e comerciantes europeus que viviam e viajavam pela Ásia.
Este contador de duas portas com remate acuminado, talvez já sem a sua trempe original (ou mesa que lhe correspondesse), é feito de teca (Tectona grandis), faixeado a ébano (Diospyrus ebenum) e decorado com embutidos de marfim e sadeli. À excepção do tardoz não decorado em tábuas de teca lisa, todas as faces externas e internas são vividamente decoradas em tapete, mais exuberante na face exterior das portas e nas ilhargas incluindo as da empena inclinada.
Apresentam uma larga cercadura de enrolamentos vegetalistas com rosetas de oito pétalas e campos centrais muito decorados, repletos de figuras a caçar com elefantes ou a cavalo com falcões (nas laterais e faces exteriores das portas), e casais dispostos em simetria na frente das quatro gavetas do topo acuminado. Todas as figuras, em traje local, avivadas por incisão e mástiques de cor, estão dispostas sobre fundo repleto de plantas floridas com pequenas folhas e pássaros empoleirados. Enquanto as figuras masculinas vestem jama (casaco), pay-jama (calças soltas e leves), patka (faixa de cintura) e pequenos turbantes kulahdar, as mulheres usam ghaghra (saia longa pregueada), odhani (véu longo transparente), e choli (blusa).
Quando aberto o contador revela cinco gavetas simulando seis dispostas em três fiadas. As frentes das gavetas interiores são decoradas com motivos geométricos em estrela de oito pontas em sadeli colorido, dispostos em simetria flanqueando os puxadores. As faces interiores das portas são decoradas com estrelas de seis pontas de sadeli em medalhões centrais sobre campo de decoração floral e cercaduras de enrolamentos vegetalistas também decoradas com sadeli.
As suas ferragens de cobre dourado incluem duas pesadas gualdras laterais, cantoneiras recortadas e vazadas, dobradiças, espelhos de fechadura e puxadores das gavetas interiores.

A técnica de sadeli ou micro-mosaico, conhecida como khatam em persa, foi introduzida pela primeira vez na Índia na província do Sinde. Esta técnica decorativa tem origem na época medieval no Mediterrâneo oriental (Egipto mameluco e Síria), de onde se propagou para o Irão e a Índia. No Irão safávida a arte khatam, conhecida como khatam-kari e khatam-bandi, floresceu em Isfahan, Shiraz e Kerman. Tornou-se frequente na Índia, conhecida por sadeli, tendo sido introduzida em Surrate através do Sinde, talvez via Shiraz. Esta técnica consiste na junção de varetas finas de forma geométrica (geralmente de secção triangular) de diversos materiais, como estanho ou prata, diferentes tipos de madeira (ébano, teca, sândalo, etc.), marfim ou osso (natural ou tingido de verde, vermelho, etc.), chifre e cobre ou latão, dispostas em feixes que são depois fatiados transversalmente formando finas folhas de padrões geométricos (geralmente em forma de estrela) que se colam a um suporte de madeira. Em seguida, a superfície é alisada, oleada ou encerada e polida.
Apesar do uso prolífico de sadeli na sua decoração, nomeadamente no interior das portas e frentes das gavetas interiores, e do uso de espesso faixeado de ébano com embutidos de marfim, que é típico por excelência da produção de mobiliário de Thatta no Sinde (no actual Paquistão), tal como apurado recentemente, esta extraordinária peça de mobiliário indiano foi produzida no Guzarate. A decoração figurativa das suas faces exteriores são típicas do mobiliário guzarate para exportação para o mercado europeu, nomeadamente português, no século XVI e inícios do século XVII.
De decoração semelhante, com exuberante decoração de sadeli no interior das portas e nas frentes das gavetas interiores, refira-se um contador de duas portas assente sobre mesa (com acrescentos e alterações posteriores nos pés) no Victoria and Albert Museum, Londres (inv. IM.16&A-1931). Apresentando também remate acuminado embora de forma trapezoidal em vez de triangular como o presente exemplar, o contador londrino é igualmente decorado com profusão de figuras sobre fundo em horror vacui repleto de árvores floridas com pequeninas folhas.
À semelhança de outros exemplares de diferentes centros de produção indianos, este nosso contador apresenta remate triangular, uma forma que tem sido apelidada de “contador de capela” por alguns estudiosos portugueses dada a sua forma; uma designação errónea que deve ser evitada. Em fontes coevas tais objectos são listados tão-só como piramidais. No inventário post mortem de Garcia de Melo, feito em Lisboa a 11 de Novembro de 1631, encontra-se registado um contador de forma idêntica, provavelmente feito em Goa (cat. 48) ou Cochim: “hũ contador de amgelim de piramide marchetado de marfim e pao preto” avaliado em 10.000 reais, uma soma verdadeiramente principesca.

Hugo Miguel Crespo
Centro de História, Universidade de Lisboa

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