Pendente
Cristal de rocha, marfim, ouro, e rubis
Ceilão, séc. XVI (2a metade)
Dim.: 4,0 x 1,5 x 1,5 cm
Peso: 11,2 g
Proveniência: Colecção Américo Barreto, Lisboa
Publicado em: Leonor D’Orey, Cinco Séculos de Joalharia, MNAA, 1995 p. 22
Pendant
Rock crystal, ivory, gold, and rubies
Ceylon (present-day Sri Lanka), 2nd-half of the 16th century
Dim.: 4.0 x 1.5 x 1.5 cm
Weight: 11.2 g
Provenance: Américo Barreto collection, Lisbon
Published in: Leonor D’Orey, Cinco Séculos de Joalharia, MNAA, 1995 p. 22
Raro pendente pertence a um pequeno grupo de joias devocionais em cristal de rocha produzidos no Ceilão durante o domínio português, com cenas religiosas e figuras minuciosamente entalhadas em marfim, copiando modelos europeus.
Esta peça de joalharia, com rubis de talhe cabochão, cravados segundo uma variação cingalesa da técnica indiana kundan (literalmente “ouro puro”), conhecida por tahadu kola baemma (literalmente “união de folheta [de ouro]”), consiste numa coluna quadrangular de cristal de rocha furada de lado a lado e contendo uma miniatura entalhada em marfim, montada em ouro enriquecido com gemas. Apresenta uma argola para suspensão.
A filigrana aplicada - que podemos ver noutras bem conhecidas obras como o cofre de marfim “Robinson” do Victoria and Albert Museum, Londres (inv. IS.41-1980) a decorar a lingueta da fechadura - é típica da joalharia cingalesa deste período, sendo característica dos ourives de origem Tamil (badallu) a trabalhar para as oficinas régias de Kotte, no Ceilão.
Concebida como objecto de meditação cristã, é poderoso e importante testemunho do trabalho de missionação levado a cabo na ilha pelos franciscanos, na segunda metade do século XVI.
Cada face apresenta iconografia entalhada com minúcia no marfim: Santo António de Pádua (ou Lisboa) com o Menino, um dos santos patronos dos franciscanos; Nossa Senhora Coroada; a Flagelação de Cristo; e Menino Jesus Salvador do Mundo, ou Salvator Mundi.
A mais importante fonte documental sobre o consumo de asiatica na Lisboa de Quinhentos, nomeadamente deste tipo de peças de joalharia do Ceilão, é o inventário de 1570 dos bens deixados por Simão de Melo Magalhães, capitão de Malaca entre 1545 e 1548. Algumas das peças de joalharia e objectos preciosos cingaleses aí registados incluem o cristal de rocha na sua produção. Mencionados no inventário estão fiadas de contas (rosários e terços), como: “hũm Ramal de contas de cristal com cinco estremos d’ouro de Rubis de Ceillão e hũa cruz do mesmo feitio”; outra fiada de contas de cristal de rocha com cinco estremos de ouro; e uma outra fiada mais pequena de contas de cristal de rocha também com cinco estremos de ouro. Averbados depois dos rosários, surgem peças de grande valor de refinamento: objectos sumptuários de ourivesaria copiando modelos europeus, como sendo “tres colheres de cristal guarneçidas d’ouro e de Rubis de Çeillão”, e “tres garfos de cristal guarnecidos d’ouro e de Rubis de Çeilão”. Estas peças seriam em tudo semelhantes aos bem conhecidos colher e garfo de cristal de rocha outrora na colecção de D. Catarina de Áustria e do seu sobrinho, o imperador Rudolf II, que sobrevivem na Kunstkammer de Viena. Entalhados a partir de material de grande transparência, apresentam montagens de ouro decoradas com filigrana aplicada sendo ambos cravejados de pequenos rubis em virolas losangulares com kundan à semelhança do nosso pendente de cristal de rocha.
As peças sobreviventes idênticas à presente incluem um conhecido medalhão oval (6,9 x 4,6 cm) do Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa (inv. 868 Joa) que representa Nossa Senhora do Rosário segurando o Menino Jesus de um lado e o Calvário do outro. Envolvidas por pequenas placas de cristal de rocha ovais, que encapsulam as cenas miniaturais em marfim, a estrutura é mantida unida por suportes articulados em ouro, formando duas molduras decoradas com filigrana aplicada (secção quadrada simples, e fio achatado) cravejada de pequenos rubis em talhe cabochão e safiras na técnica kundan, e quatro quadrifólios cravejados de rubis e safiras decorando as secções intermédias, fechadas no rebordo com fio de ouro torcido.
Uma outra peça, em forma de cilindro (com tubo de cristal de rocha protegendo a cena interior em marfim) tem uma representação minuciosa em marfim entalhado e pintado de Cristo atado à Coluna, engastada em ouro com rubis em talhe cabochão; pertence a uma colecção particular portuguesa. Num pendente semelhante, com a mesma forma cilíndrica (4,7 cm de altura), vemos uma representação minuciosa da Virgem com o Menino em marfim entalhado e polícromo, pertencente ao British Museum, Londres (inv. 1872.0604.900), também cravejado com rubis em cabochão.
O presente pendente, que pertencia à colecção do Comendador Américo Duarte de Almeida Barreto, esteve por muitos anos em depósito no Museu Nacional de Arte Antiga (inv. 62 B), exposto junto ao já referido medalhão oval. Ambos foram publicados lado a lado pela primeira vez em 1995.
Hugo Miguel Crespo
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This rare pendant belongs to an exclusive group of rock-crystal devotional pendants, made in Portuguese-ruled Ceylon, featuring religious scenes and minutely carved ivory figures, according to European prototypes. This small jewel, set with cabochon-cut rubies in the Ceylonese variation of the Indian gem-setting kundan technique (literally “pure gold”), known as tahadu kola baemma (literally “[gold] foil bond”), consists of a square-shaped hollowed rock crystal container, encasing a miniature ivory carving, mounted in gem-set gold elements of applied filigree details. The upper mount is fitted with a suspension loop. Filigree decoration, present in such famous pieces, as the renowned Robinson ivory casket in the Victoria and Albert Museum, London (inv. IS.41-1980), is typical of Ceylonese jewellery of this period and a particular characteristic of Tamil goldsmiths (badallu) working in Kotte’s royal workshops (Ceylon). This precious devotional jewel was intended as an object of Christian meditation and stands as a powerful testimony to the missionary zeal of the Franciscan monks in Ceylon during the second half of the 16th century. Each face features a different, ivory carved iconography: Saint Anthony of Padua (or Lisbon) holding the Child Jesus, one of the Franciscans patron saints; the Crowned Virgin; the Flagellation of Christ (also known as Christ at the Column or the Scourging at the Pillar); and the Child Christ as Saviour of the World or Salvator Mundi.
The most important extant documentary source on the private consumption of asiatica in 16th century Lisbon, namely of this type of jewellery from Ceylon, is the 1570 inventory of Simão de Melo Magalhães’s estate, a former Captain of Malacca from 1545 to 1548. Some of the Ceylonese jewellery and jewelled objects described in this inventory include references to rock crystal; There are strands of beads (rosaries): “one strand of crystal beads with five gold counters set with rubies from Ceylon and a cross made in the same manner”; another strand of crystal beads with five gold counter beads; a smaller strand of rock crystal beads with five small gold spacers. In addition to these rosaries there are also listings referring jewelled objects of great value and refinement. Luxury, jewelled pieces modelled after European examples, identical to surviving objects in Vienna’s Kunstkammer, consisted of “three crystal spoons mounted with gold and rubies from Ceylon”, and “three crystal forks with gold and rubies from Ceylon”. These objects were certainly like the well-known rock-crystal spoon and fork that belonged to Catherine of Austria, and later to her nephew, Emperor Rudolph II. Carved from particularly translucent material, they feature gold mounts decorated with applied filigree; both are studded with small rubies set in lozenge bezels filled with kundan, like our rock crystal pendant.
Similar extant objects include an oval-shaped pendant medallion (6.9 x 4.6 cm), in the Museu Nacional de Arte Antiga, in Lisbon (inv. 868 Joa), depicting Our Lady of the Rosary holding the Child, on one side, and the Calvary, on the other. Enclosed by a smaller oval rock crystal plaque, which encapsulates a miniature scene in ivory, the structure is held together with hinged gold mounts, forming two frames with applied filigree decoration (plain square-section, flattened wire) set with small cabochon-cut rubies and sapphires in the kundan technique, and four quatrefoils set with rubies and sapphires in the middle sections, closed at the edges with twisted gold wire. Another pendant, albeit cylindrical, has in its interior a minute carved and painted ivory depiction of the Christ at the Column and is set in gold with cabochon-cut rubies; it belongs to a Portuguese private collection. A similar cylindrical pendant (4.7 cm height), featuring a minute depiction of the Virgin and Child also in painted and carved ivory and set with cabochon cut rubies, belongs to the British Museum, London (inv. 1872,0604.900). The present pendant, once in the Knight Commander Américo Duarte de Almeida Barreto collection, was for many years deposited at the Museu Nacional de Arte Antiga (inv. 62 B), where it was displayed alongside the aforementioned oval-shaped medallion. They were jointly published for the first time in 1995.
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