Tabuleiro de Jogo D. João V

Nº de referência da peça: 
F1115

D. João V Games Board
Ebony and ivory
China, 18th century – first half
Dim.: 29,0 x 33,0 x 1,5 cm
Former collection J. Lico, Lisbon

Tabuleiro de Jogo D. João V
Ébano e Marfim
China, séc. XVIII (primeira metade)
Dim.: 29,0 x 33,0 x 1,5 cm
Prov.: Coleção J. Lico, Lisboa

Superb 18th century Sino-Portuguese ebony backgammon, chess and draughts board, ornamented in delicately engraved ivory inlays.
On the backgammon face, the four quadrants of six half-moon points are divided by an elegantly waved ebony on ivory receptacle, of engraved scrolls decoration, marking the bar. In the true centre, the crossing point for the diagonal lines joining opposite vertices of the rectangle, and exuberantly defining the whole composition, the Portuguese Royal Arms sided by two herald angels. In the corners, flaming torches in-between wing shaped elements densely decorated in arabesque scrolls, resembling butterflies, in an interpretation clearly not understood by the Chinese craftsman.
On the reverse, the chess and draughts checkered surface is framed by four asymmetric plant scroll motifs, emerging from each corner, interspersed with four eight-petalled flowers.
It is in the reign of king João V (1689-1750), “The Magnanimous”, that Portugal reaches its maximum splendour. In this period of political, economic and artistic affirmation, the Royal Arms spread out worldwide on the faces of the large gold “Dobras” designed by the artist Vieira Lusitano (1689-1773), the heaviest coins ever minted in Portugal. Simultaneously the fashion for table and board games was growing amongst European kings and queens, soon becoming a major leisure pastime for monarchs, clergy and aristocracy alike. Fond of extravagant parties and board games, the King’s consort, Maria Anna of Austria (r.1708-1750), was known for organising parties in her private apartments in which “távola” (1), backgammon, was played.

The Portuguese had established formal relations with China in the early 16th century, stimulated by the commercial exchange with local traders in such strategic outposts as Malacca, Canton or Fujian. Eventually, the permanent settlement in Macao (1554) facilitated the access to continental China, and it was through this port city that a characteristically Sino-Portuguese art production emerged. This artistic production, defined by a specific syncretism that blended techniques, styles and themes, resulted from the successful symbiosis between the two cultures.

In the context of D. João V mercantilist economy, suitable commercial and diplomatic relations were based on exchanges and contracts promoted by the King’s ambassadors. The great embassy sent in 1725 to the Chinese Emperor Yongzheng (1722-1735), it’s a good example of the prevalent international politics of ostentation and magnificence. In a letter to the King’s Secretary of State, the Ambassador Alexandre de Metelo de Sousa e Menezes refers: “I made my entry into the court in such a spectacular way that had never been seen in the whole of Asia” (2). In return the Chinese emperor offered the Portuguese king “40 chests full of the most valuable things from that empire” (3).
The iconography of this games board sustains the projection of the empire and its monarch, through the representation of the King’s Arms. The craftsman evokes a European ornamental language, adopting a minimalist yet formal style, reflecting the inability to correctly interpret the model, atypical to his own culture.
The Armorial shield depicted follows the usual pattern for D. João V’s reign, with a curvilinear arched lower border, five bezant escutcheons and a full band with seven castles. The whole composition, framed by a baroque scroll cartouche and surmounted by the four arch crown (replicating the fleurons but abdicating from the original stalks), is supported by two kneeling winged figures blowing the horn of fame.
In the development of this symbiosis between Portuguese and Chinese art, it is important to highlight the major role of engravings and print sets, major tools in the dissemination the Baroque style in the East, which would become the matrix for the international visual recognition of the “Magnanimous King”, as is evidenced by this games board produced by a Chinese artist.
The composition, most certainly copied from an engraving supplied by the client, is similar to that in Royal Band trumpet standards and drum aprons belonging to the Museu Nacional dos Coches collection (inv. IM40 and IM53), which are well identified and thoroughly researched. The Music Historian Garhard Doderer suggests that they were produced for the Royal Band, commissioned by king D. João V in 1721–1723, even though they are inscribed with the date 1761.
Ebony and ivory, the precious exotic raw materials selected for the making of this games board, originate from those faraway lands and it is possible to recognise in the chiselled incisions, similar to that of the engravers burin, distinctive local decorative elements, such as the black ink filled dots and lines (4) which, like and energetic brushstroke, are characteristic of Chinese painting.
On accounts of its quality and originality this games board is a most relevant example of successful artistic miscegenation in this “Glorious” reign.

Notes:
1 Cf. Maria Beatriz Nizza da Silva, D. João V, Lisboa, Círculo de Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2006, pp. 30 e 126 — This historian suggests that the game “távola” must refer to “gamão”, or backgammon in England, “tric-trac” in France, “tablas reales” in Spain and “tavola reale” in Italy.
2 Maria Beatriz Nizza da Silva, D. João V, Lisboa, Circulo de Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2006, p. 281.
3 IDEM, Ibidem.
4 In Portugal these incisions were filled in darkened paste – bees wax coloured with iron gall ink — Cf: Fernanda Castro Freire, Mobiliário II, F.R.E.S.S., 2002, p. 43.

Bibliography:
— DODERER, Gerhard, “A Constituição da Banda Real na Corte Joanina (1721 – 24), in Revista Portuguesa de Museologia, n.º 13, Lisboa, 2003, pp.7 – 34.
— FREIRE, Fernanda Castro, Mobiliário II, F.R.E.S.S., 2002.
— SILVA, Maria Beatriz Nizza, D. João V, Rio de Mouro, Círculo de Leitores e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2006.
— TEIXEIRA, José de Monterroso, Triunfo do Barroco (Cat.), Lisboa, Centro Cultural de Belém – Fundação das Descobertas, 1993, pp. 329 e 331.
— WILLETS, William, Foundations of Chinese Art – From Neolithic Pottery to Modern Architecture, London, Thames and Hudson, 1965.

Magnífico tabuleiro sino-português do século XVIII, de forma retangular, em ébano e marfim, ornamentado com embutidos de decoração incisa e destinado ao jogo de gamão e xadrez/damas.

Numa das faces, a do gamão, os quatro quadrantes tem seis casas, em arcos de volta perfeita, separados por receptáculo com moldura recortada em ébano sobre marfim, decorado com elementos vegetalistas, que constitui a barra. Destaca-se, ao centro, um exuberante escudo de Armas Reais, no cruzamento das diagonais traçadas a partir dos vértices do rectângulo, que definem as linhas de força do desenho, ladeado por dois anjos arautos.

Cada canto está preenchido com uma tocha flamejante com duas aletas, ornamentadas de enrolamentos em arabesco, que mais parecem borboletas, numa interpretação não totalmente compreendida pelo artesão chinês.
O verso, centrado no quadrado do jogo de xadrez ou de damas, tem decoração vegetalista assimétrica, que se desenvolve a partir das arestas, adaptando-se à forma e separada por flor de oito pétalas.

É no reinado de D. João V, “O Magnânimo”, que Portugal atingiu o seu máximo esplendor. O escudo das armas reais difunde-se nas grandes “Dobras” a partir de 1724, as maiores moedas de ouro jamais cunhadas em Portugal, seguindo os desenhos do pintor Vieira Lusitano (1689 – 1773).

À época, os jogos de mesa ou de tabuleiro eram comuns nas casas de reis e rainhas e ocupavam um lugar importante no lazer de monarcas, cónegos e nobres. Muito apreciadora deste tipo de entretenimento, D. Maria Ana de Áustria (r. 1708 – 1750), mulher do rei D. João V (r. 1706 – 1750), organizava nos seus aposentos diversos passatempos, em que o jogo da “távola”1 ou gamão — que tomou o nome de “Távola Real”, em Itália — marcava presença.

Desde o início do século XVI foram estabelecidas relações luso-chinesas, estimuladas pelas trocas comerciais entre portugueses e locais, em portos estratégicos como Malaca, Cantão e Fujian. O estabelecimento em Macau (1554) facilitou o acesso à China continental e foi através deste porto que se promoveu uma produção sino-portuguesa marcada por sincretismos, que associavam técnicas, estilos e temas, resultantes da simbiose artística entre os dois povos.

As ligações comerciais e diplomáticas, adequadas à economia mercantilista do Reino de D. João V, assentaram essencialmente nas permutas e encomendas promovidas pelos embaixadores ao serviço do rei. A embaixada enviada em 1725 ao Imperador chinês Yongzheng (1722 – 1735) é um bom exemplo da sua política internacional de ostentação e magnificência. Numa carta ao secretário de Estado, o embaixador Alexandre de Metelo de Sousa e Meneses contou: “Na corte fiz a minha entrada tão estrondosa que entendo não se tenha visto acção tão luzidia em toda a Ásia”2. Na volta o imperador chinês enviava ofertas a D. João V, que consistiam em “40 caixões repletos das “coisas mais estimáveis daquele império”.3

A iconografia desta peça sustenta a projeção do Império e do seu monarca, através da representação das armas reais portuguesas, ao tempo de D. João V. O artista evocou a linguagem ornamental europeia, a partir de um estilo minimalista e caligráfico, não atingindo, no entanto, o mimetismo do modelo, estranho à sua própria cultura.

A reprodução do escudo segue o debuxo usual das armas deste soberano, com a orla inferior terminada em arco contracurvado (dito francês) preenchido pelos escudetes, cada um carregado de cinco besantes e bordadura completa com sete castelos. Está encimado pela coroa de quatro arcos, que reproduz os florões, mas abdica dos pedúnculos originais. A bandeira pessoal de D. João V está contida em cartela simulando enrolamentos barrocos, suportada e ladeada por dois tenentes, as figuras aladas, símbolo da fama.

Na simbiose entre arte portuguesa e autóctone tiveram papel preponderante as gravuras e as colecções de estampas, que serviram a difusão do estilo barroco no oriente e, em particular, as directrizes para a projecção internacional do rei “Magnânimo”, que neste tabuleiro de jogo ressaltam, pela mão de um artesão chinês.

A composição é seguramente baseada numa gravura fornecida pelo encomendante, idêntica à que serviu de protótipo às bandeirolas das trombetas e à saia para atabale da Charamela Real (Prop. Museu Nacional dos Coches, Inv. n.º IM 40 e n.º IM 53) e que foram devidamente identificadas e estudadas. O musicólogo Gerhard Doderer supõe terem pertencido à primitiva Banda Real encomendada por D. João V nos anos de 1721 – 23, independentemente de nelas constar a data de 1761, gravada na superfície do pavilhão.

Os materiais empregues, ébano e marfim, são oriundos destas longínquas paragens e, na decoração incisa em arabescos vegetalistas, aplicada através de sulcos abertos com formão, idêntico ao buril dos gravadores, reconhecem-se orientações caligráficas autóctones. Assim, os efeitos revelados nos pontos e linhas, cobertos de tinta preta,4 resultam da utilização do traço como forma de expressão que, tal como a energia da pincelada, são característicos da pintura chinesa.

Pela originalidade e a qualidade da peça, trata-se sem dúvida alguma, de um exemplo dos mais relevantes e originais nas artes decorativas miscigenadas deste glorioso rei.

-------------
NOTA:
4 Em Portugal as incisões são preenchidas por massa escura — cera de abelha escurecida com noz de galha —

  • Arte Colonial e Oriental
  • Artes Decorativas
  • Diversos

Formulário de contacto - Peças

CAPTCHA
This question is for testing whether or not you are a human visitor and to prevent automated spam submissions.
Image CAPTCHA
Enter the characters shown in the image.