Cruz-Relicário Namban ou Nipo - português , Japão, período Momoyama ca. 1573 - 1603
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Rara cruz-relicário Namban de suspender, atribuída aos finais do século XVI. Uma encomenda feita sob influência da comunidade Jesuítica no Japão. É em Sawasa[1], um tipo de material constituído por shakudō - liga de cobre, com ouro, prata e arsénico - que posteriormente é lacado a negro urushi e dourado com mercúrio.
A cruz em forma latina é constituída por duas placas cruciformes deslizantes que encerram uma caixa com o mesmo formato, compartimentada com varias aberturas (11) com relíquias de santos, fixas em cera nos vários invólucros.
As duas hastes articulam com dobradiças e fecham através de rosca com terminais em forma de carapeta e argola de suspensão na haste superior.
Uma das placas apresenta Cristo Crucificado delicadamente relevado com o seu resplendor em forma de estrela, encimado por cartela com a inscrição “INRI” – isto é, Iesus Nasarenus Rex Iudaeorum ou seja, “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. Na cabeça tem a coroa de espinhos bem definida e o cabelo caído sobre o ombro direito. A face apresenta os olhos o nariz e a boca bem delineados, sendo que o bigode e a barba estão igualmente demarcados. Está coberto por cendal preso à direita e das suas mãos e pés escorre o sangue dos estigmas.
A seus pés uma caveira sobre dois ossos cruzados que significa o “Lugar da Caveira” (Gólgota), onde Cristo foi Crucificado. Este símbolo representa uma alegoria à Ressurreição - a Vitória da vida sobre a morte.
Na outra placa e ao centro está delicadamente relevado um Cálice Eucarístico sobrepujado pela hóstia consagrada, aferida, a meio, pela imagem do próprio Crucificado[2]. Está encimado pela pomba do Espirito Santo e ladeado por anjos, em sinal de adoração, suspensos entre nuvens, estilizadas e de cariz artístico japonês.
Sob este cálice eucarístico desenvolve-se a seguinte inscrição: “lOVVADO SEJA O SANCTISSº SACRAMcº” – ou seja, “Louvado seja o Santíssimo Sacramento” da Eucaristia, através do qual se difunde as palavras de Jesus: “A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue verdadeira bebida” (JO. 6, 55). No final desta placa e sob a inscrição está aposto um ramo de palmas de onde florescem flores e frutos, certamente símbolo de renovação e alegria.
As faces laterais, que delimitam a caixa de relíquias, estão preenchidas por friso contínuo de elementos vegetalistas e florais encadeados.
Relicários como este, de produção artística japonesa, são extremamente raros. Ao integrarem temas europeus ou cristãos (Kirishitan) apelavam tanto aos nativos, como aos “Bárbaros do Sul”[3] (os Nambanjin), em particular aos portugueses. Usados para práticas espirituais e principalmente como repositório de raras e valiosas relíquias mínimas (pequenas partículas do corpo de um santo) que trazem penduradas ao pescoço. O “culto das relíquias” está sobremaneira valorizado num dos postulados ditados pelo Concilio de Trento (1543 a 1563), que obriga os fiéis a respeitar e honrar as relíquias dos corpos dos mártires e de outros santos, porque eles são membros vivos de Jesus Cristo, operando Deus graças extraordinárias por meio deles, que devem, um dia, ressuscitar para a vida eterna”[4].
Estas cruzes-relicários espelham práticas de devotio moderna[5] que se aliam de modo directo à Companhia de Jesus. A piedade eucarística e a devoção à Cruz de Cristo, símbolos que se espelham nesta peça, são dois aspectos que dominam a espiritualidade desta Ordem Religiosa[6], indicando-a como provável encomendante.
Exemplares como este são extremamente raros destacando-se dois, nas coleções do Victoria and Albert Museum, Londres [7], um no Tokyo National Museum e outro na coleção Távora Sequeira Pinto, todos eles muito idênticos apontam para uma única oficina de fabrico.
A peça aqui analisada é uma masterpiece de produção Nanban, uma das mais raras e preciosas. A avaliar pela sua qualidade, bem patente, não só na sumptuosidade dos materiais utilizados, mas também pelas relíquias que encerram, extremamente dispendiosas à época, esta Cruz-Relicário terá sido pertença de um alto dignitário da Igreja ou mesmo oferta diplomática dos padres jesuítas a personagens das cortes regionais japonesas, que conseguiram converter, no entorno dos Daimyō (senhores da guerra e terra tenentes). O fabrico é provavelmente Quinhentista, ou de inícios do século seguinte, dado que o édito de proibição da religião cristã data de 1614.
Nota:
Ao contrário do que se afirmou no passado, a produção de peças de Sawasa de exportação não se inicia com o período Holandês, mas sim no âmbito do comércio português, como o provam estes relicários jesuíticos.
Foi no Japão, onde São Francisco Xavier chegou em 1549, que os jesuítas tiveram o seu maior sucesso como missionários. Habilmente, começaram por converter as elites; eles sabiam que ao convencerem os Daimyō, todos os súbditos se lhes seguiriam. E, para estes, era necessário serem identificados com a nova religião, mostrarem-se alinhados com o poder, sob pena de grandes represálias. Para tal, era aconselhável ostentarem os símbolos da nova fé, facto que não passou despercebido ao olhar atento dos artífices locais, que rapidamente começaram a produzir cruzes, rosários, relicários, retábulos e tudo quanto os fizessem conotar com a iconografia cristã.
BIBLIOGRAFIA
· Fausto Sanches Martins, “Culto e devoções das igrejas dos Jesuítas em Portugal”, Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras in Colóquio Internacional A Companhia de Jesus na Península Ibérica no séc. XVI e XVII, 2004, p. 89-118.
· Hugo Miguel Crespo, Choices, Lisboa, AR-PAB, 2016.
· Hugo Miguel Crespo, Jóias da Carreira da India (cat.), Lisboa, Fundação Oriente, 2014.
· Max de Brujin, Johannes Bastiaan, Sawasa – Japanese Export Art in Black and Gold, 1650-1800 (cat.), Amsterdam – Zwolle; Rijksmuseum – Uitgeverij Waanders, 1998.
Peças semelhantes:
· Pedro Dias, Arte Portuguesa no Mundo – Japão, p. 115.
· Encompassing the Globe, Portugal and the World in the 16 th e 17 th Centuries, p. 36;
[1] Sawasa é o nome japonês dado a artefactos feitos por artistas e artesãos asiáticos que adoptaram modelos europeus e os combinaram com materiais japoneses. Apresentam motivos decorativos em relevo dourado sobre uma superfície lustrosa lacada.
[2] Na Eucaristia procede-se à Consagração do pão e do vinho, convertendo-se o pão no Corpo e o vinho no Sangue de Cristo. A este “milagre” eucarístico, o Concilio de Trento (1543 a 1563) chamou de “transubstanciação”. Cf.: Concilio de Trento, Sessão XIII, Cap. IV, nº 877.
[3] Os europeus eram designados por “Bárbaros do Sul” que os locais traduziam por Nanbanjin.
[4] Francisco Portugal Guimarães, Proprium Sanctorum: o culto, as suas relíquias e os seus relicários, in População e Sociedade, CEPESE, Porto, vol. 20, 2012, pp. 53-67. P. 57.
[5] A Devotio Moderna foca-se na oração e no desenvolvimento da vida interior pessoal.
[6] Fausto Sanches Martins, “Culto e devoções das igrejas dos Jesuítas em Portugal”, Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras in Colóquio Internacional A Companhia de Jesus na Península Ibérica no séc. XVI e XVII, 2004, p. 99. Cf.: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/8707
[7] Max de Brujin, Johannes Bastiaan, Sawasa – Japanese Export Art in Black and Gold, 1650-1800 (cat.) Amsterdam – Zwolle; Rijksmuseum – Uitgeverij Waanders, 1998, p. 24, n. 29.
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