Colher Edo/ Bini-portuguesa com o "Pássaro da Profecia", Reino do Benim, Nigéria
marfim
25 cm
F1336
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Apresentando a concha alongada e pouco funda quase transparente, que termina num enrolamento em forma de folha, característica comum às colheres edo-portuguesas. O cabo alterna zonas lisas com partes com motivos iconográficos zoomórficos talhados no marfim em alto-relevo. No início destaca-se uma cabeça de um antílope, em posição frontal, seguida por zona filiforme rematada por pássaro pousado, que agarra a zona lisa com as patas. É texturado no corpo, o que sugere plumagem e encontra-se numa posição de torsão, com a cabeça voltada para o lado, com uma asa aberta na qual o bico longo e curvo toca, enquanto a outra se fecha para trás. A representação dos animais nas colheres edo-portugueses é indicadora da fauna do Benim, apontando para uma inspiração local na sua generalidade, combinados com outros elementos que se podem associar aos portugueses. Os animais apresentam uma grande relevância na cultura africana, pelo que a sua hierarquia se relaciona com a própria organização social e política dos povos Edo. No caso da cabeça de antílope esculpida desta colher, é um motivo que aparece representado quer noutras colheres edo-portuguesas, quer na arte local. Nos rituais exercidos nos altares de antepassados eram frequentemente colocadas cabeças de animais sacrificados para esse fim, desempenhando um papel relevante nestas práticas. O antílope, tal como a vaca, é um animal considerado esteticamente belo e de sociabilidade dócil, o que, associado ao facto de ambos serem comestíveis, os tornam os animais favoritos para ofertas sacrificiais. O pássaro é a representação mais comum neste grupo de marfins. Na arte dos Edo, aparece uma espécie particular de pássaro, de bico longo e encurvado para baixo, quase sempre representado de asas abertas, correspondendo ao “Pássaro da Profecia” (Oro). Esta ave mítica, corresponde provavelmente a um íbis africano, associada ao poder divino do Oba, e que se correlaciona, concomitantemente, com os mercenários portugueses que tiveram um papel ativo num evento ocorrido durante a batalha de Idah (ca. 1517) no reinado de Oba Esigie. Este monarca do Benim teve grande proximidade com os portugueses, incluindo com o rei D. Manuel I, tendo sido inclusivamente catequizado e batizado pelos missionários lusos. Este evento foi passado de geração em geração, através das tradições orais dos Edo, pela própria arte real, através da sua representação em inúmeros suportes, tendo sido confirmado através de fontes escritas portuguesas. Deparando-se com um pássaro cujo piares previam uma desgraça se o monarca continuasse a seguir em frente, aconselhando-o a recuar, Esigie ignorou este presságio e ordenou que dois soldados portugueses matassem a ave. Apesar de ter desafiado esta profecia, o Oba regressou vitorioso à Cidade do Benim e mandou fundir um pássaro em bronze para que o povo recordasse a sua habilidade e confiança na superação do próprio destino. A ambiguidade deste motivo, no que respeita à identificação de fontes visuais europeias, relaciona-se com o facto de a posição da ave poder evocar uma reminiscência da imagem europeia da piedade do pelicano que alimenta os filhos com o seu sangue, e que terá contribuído para tornar a peça atrativa para o comprador. Esta sobreposição de interpretações que se referem tanto aos rituais locais como à intervenção dos estrangeiros nas batalhas internas, e a associação à imagética do cristianismo, contribui para realçar o significado destas peças que resultaram do diálogo profícuo entre as duas culturas envolvidas na sua produção.
Provenance
Col. Charles Ratton e Guy Ladrière, Paris; J. Jordão Felgueiras, Porto; Teresa Paramés, Lisboa.Publications
Bassani, Ezio, African Art and Artefacts in European collections, 1400–1500, London, British Museum Press, 2000, no. 812; Trnek, Helmut,Vassallo e Silva, Nuno, Exotica. The Portuguese Discoveries and the renaissance Kunstkammer (cat.), Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian, 2001, p. 101, no. 10; Dias, Pedro, A Arte do Marfim—O Mundo onde os Portugueses Chegaram, Porto, V.O.C. Antiguidades, 2004, pp. 42–43; Jordan, A.M. and Lowe, K., The Global City, P.H. Publishers 2015, p. 168; Gschwend, A. J., Lowe, K. J. P. (eds.), A Cidade Global, Lisboa no Renascimento (cat.), Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2017, cat. 48, p. 119; Amaral, Leonor de Liz, ‘Os marfins luso-africanos do reino do Benim (séculos XVI e XVII). Estudo histórico‑artístico e material’, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Tese de Doutoramento, 2022 (cat. no. 36).Join our mailing list
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